quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Desabafos I

A sério que me apetecia entender este monstro que se aproxima de nós e que se chama “Orçamento de Estado”. Portugal tem uma ampla tradição em rectificar orçamentos, é algo culturalmente embutido e que também passa pelo célebre “desenrascanço”. O PSD precisa de argumentos para se abster – em nome dos interesses do país – e o PS precisa desesperadamente de dizer que é um governo desgraçado – o único a se preocupar com a estabilidade da República nos mercados estrangeiros. Pelo meio temos um estado social absurdamente injusto, sustentado unicamente pela classe média, que paga esta crise e todas as outras que virão.

Com orçamento ou sem ele, por cá teremos o FMI. Março é um bom timming, o PS sai de cara limpa – pois tentou o consenso – e o PSD também o dirá – pois “a bem da nação” (paralelismo intencional) fez bem em abster-se. Voltamos a um país sem vontade democrática, de paredes pintadas de cal em que o povo é feliz em “ter pão e vinho sobre a mesa”? O FMI só nos ajudou da última vez que cá esteve, agora espero ansiosamente que o faça outra vez!

Defendo a vinda do FMI, urgentemente, pois um olhar apartidário é importante a tempo e horas antes de entrarmos em recessão, que irá acontecer sem qualquer tipo de dúvida. Sem riquezas, sem sustentação, como irá o país avançar? Como é que se consegue explicar que a taxação tributária seja a que se adivinha? Explica-se com a eterna cientificidade da matemática: 2+2 são sempre 4. Ou alguém achou que as pontes vascos da gama, as auto-estradas, os ccb’s, as expos98, e outros – tantos eles – “investimentos” não iriam ser pagos?

Andam-nos a hipotecar o futuro há 30 anos e nós a deixar, sorridentes e calmos, preparados para reeleger um dos protagonistas principais – Cavaco Silva, e tantos outros que se seguiram, administração central e local, todos eles no mesmo saco, a gastar como se não houvesse amanhã, porque outros se iriam preocupar, não eles.

Ao PSD exijo que seja coerente: se não gosta do OE que vote contra, que tenha apenas uma cara, ao PS que verdadeiramente diga a realidade e que tenha a vontade para realizar uma limpeza onde ela é necessária! Como é que se explica que mais de metade do nosso PIB seja absorvido pelos custos do Estado??? Como é que se percebe que o 7º maior empregador em Portugal seja a DGCI??? Como é que isto foi acontecer??? Alguém me explica como se eu fosse muito, mas mesmo muito burra??????? É porque é isso que eu sinto, como se estivesse injustamente de castigo no canto da sala, quando o meu colega do lado é que estava a copiar e não eu!

sábado, 2 de outubro de 2010

Estória real II

Ontem, numa repartição de Finanças em Cascais, entro na sala e só vejo homens engravatados, banhados em água-de-colónia e pastinha na mão. Ambiente sinistro. O avolumar de carros de alta cilindrada no estacionamento está explicado. Uma funcionária lê em voz alta páginas e páginas, com nomes de contribuintes e valores em dívida. Há de tudo: dos mil aos 60 mil. Continuo sem entender muito bem, até que alguém me explica: “É uma venda de imóveis penhorados”. Choco-me! São pessoas comuns as que naquele exacto momento estão a perder casas, arrematadas quase que em lotes pelos engravatados que ali se apresentam, sorridentes, que compram apartamentos T2, em Cascais, a menos de 30 mil euros. Uma espécie de abutres que se deleitam com a crise alheia!

De estômago revolvido vou para os correios e, naquele momento de espera, apercebo-me que dois senhores, já seguramente reformados, estão a resgatar os certificados de aforro. Um deles uma miséria: 400 €, mas que, segundo ele desabafa à funcionária “lá me vão ajudar a pagar as contas até ao fim do ano!”. O outro, já com 700 €, respira fundo e diz com o ar mais desolador: “Pronto, já se acabaram as poupanças”…

A realidade torna-se avassaladora quando assistimos à crise no dia-a-dia, quando nos entra consciência adentro as dificuldades económicas das pessoas comuns. A crise existe, mas é apenas para alguns, para os que descem rapidamente do patamar da classe média, dos que sobrevivem com dificuldades, dos que pagam os impostos sem deterem off-shores e cuja taxa de IRS é escandalosamente superior à da aplicada à banca. Uma vergonha, uma tristeza!

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Estória real

Numa rua comum, à beira de um caixote de lixo básico, num domingo qualquer. O homem, com as marcas bem vincadas pelo escorrer do tempo – uns 80 anos, talvez – dobra-se para apanhar um saco de plástico que deixara cair. O corpo demora-se a dobrar e a boca solta-se na liberdade de falar com os comparsas botões: “Ai a minha vida! Agora isto tinha tudo que cair!”. Apresso-me e apanho-lhe o saco e geringonça onde ele prende o saco, uma espécie de troley caseiramente improvisado. “Obrigado minha senhora, isto a idade já não perdoa! Veja lá onde uma pessoa chega! A ter que, com a minha idade, andar a apanhar os restos dos outros para depois vender para o ferro-velho!”. “A vida não é fácil, amigo”, retribuo-lhe sem saber que mais frases feitas desembolsar. “Pois não é não senhora! Imagine que tive que me reformar no início dos anos 80, por incapacidade, e hoje, hoje! Tanto tempo depois, fartinho de trabalhar a minha vida toda, a minha reforma não chega ao 75 contos! Até lhe digo: são 74 contos e qualquer coisa! Por isso tenho que andar atrás do lixo dos outros para ver se consigo mais uns trocos porque esse dinheiro não me chega para as minhas despesas!”.

Foi na minha rua, no caixote do lixo à frente da minha casa, no domingo que passou. Uma prova de que a pobreza existe onde menos se espera, um testemunho que me envergonhou enquanto ser humano, pois ninguém deveria ver-se na necessidade aflitiva de andar atrás dos desperdícios alheios.

Triste, infinitamente desolador e tragicamente um retrato cruel da realidade em que vivemos.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Reformas e objectivos: precisam-se!

Esta crise deveria ser um ponto de partida para um novo Portugal, para um sistema judicial célere, uma justiça fiscal verdadeiramente equilibrada, para uma administração pública central e local livre de compadrios. Uma verdadeira revolução do sistema como o conhecemos actualmente, para que se agilizasse a forma de funcionar de um Portugal de século XXI, mas ainda afundado nas teias burocráticas que não se entendem, em que administração central e local não se entendem e o sistema judicial é só para quem pode, nem sempre para quem efectivamente precisa.

É necessário acabar com os asilos políticos que se foram multiplicando em empresas públicas, administrações de empresas municipais, órgãos regionais obsoletos e por aí afora. É preciso dinamismo, muito para além de um simplex administrativo, passa por educar coerentemente um povo, explicar-lhes que os empregos não podem, nem devem ser para uma vida, que é salutar existir concorrência, que é eficaz as pessoas não se acomodarem às suas vidinhas cinzentas. Alguém que explique que cada vez mais a palavra “multi-tasking” tem que fazer parte do nosso vocabulário comum e que os ordenados deveriam ser baseados em objectivos dinâmicos e criem incentivos reais aos trabalhadores, não esta lenga lenga de que o “ordenado certinho é que é”. Não, não é. Assim ninguém cresce, ninguém aprende, não há evolução. Fórmula tanto pública como privada.

Progressões automáticas? Aumentos concertados por meia-dúzia? Discordo. Cada trabalhador tem o seu valor, e é uma mais-valia para o local de trabalho, deve ter voz, mas deve ter incentivos e sentir-se motivado, coisa que tanto falta a um país alheado e fora da realidade, em que os valores se medem pelo carro que têm (embora não esteja pago) ou pelas marcas que envergam.

O problema de Portugal e aquilo que sempre nos irá separar de uma Alemanha, por exemplo, será a educação, a base fundamental para um país verdadeiramente são e economicamente viável. De que serve termos 1000 ou 1500 advogados a licenciarem-se anualmente quando o que faz falta são técnicos de turismo, que é uma fonte de receitas seguras para o nosso país e o verdadeiro filão por onde nos deveríamos orientar? Onde param as estratégias de futuro, verdadeiro futuro?

Precisamos de um pacto de regime sobre o Portugal que pretendemos daqui a 20 anos, económica, politica e socialmente. A partir daí terá que se definir o modo de se atingir esse fim. Parece simples, mas a vontade política é inexistente. Aplicam-se medidas a prazo de 4 anos, flutuando na dicotomia esquerda-direita, sem que se saiba para que lado realmente estamos a ir, se é que chegamos lá! Não precisamos de um salvador da pátria – para isso temos uma mão-cheia de pretensos candidatos – mas sim de um visionário, alguém com a coragem de um Marquês de Pombal ou de um D. João II, que souberam estruturar um país e estabelecer objectivos concretos a LONGO PRAZO.

sábado, 29 de maio de 2010

Que Estado?

Nos tempos que correm a análise sócio-política perde pontos para a análise sócio-económica. A verdade é que nos últimos 20 anos, desde que se colocou um ponto à Guerra Fria, o modo como o Estado se comporta, no seu sentido lato, se alterou e muito. O que antigamente se via claramente como “esquerda ou direita” assenta num limbo “central” e as premissas em que assentam os diversos tipos de Estado (vide Hobbes, Locke ou Russeau) se alteraram significativamente, dado que um novo poder se instalou – o da comunicação – e outro ganhou uma força universalmente transversal: a economia.

A questão essencial ainda passa pela definição de modelos de Estado democrático: o Estado Social e o Estado Liberal. A verdade é que ambos são modelos falhados e temos provas disso.

A alteração da pirâmide etária dos países civilizados leva a que o Estado Social, a médio prazo, entre em ruptura, logo não há financiamento possível que suporte a gratuitidade de vários pilares: saúde, educação, justiça e pensões. Já no que toca ao Estado Liberal, em que a intervenção estatal, nas acima citadas premissas, é quase nula, a especulação financeira conduziu a uma especulação sem precedentes que levou a um colapso como o de 2008.

O Japão falhou e a América falhou, para citar dos exemplos de países desenvolvidos. Que outro modelo se encontrará? O mundo objectivamente mudou e impõe-se a necessidade urgente de se pensar a prazo, de forma estruturada e planeada, e de descobrir a pólvora, mais uma vez, ou o mundo arrisca-se aos recorrentes nacionalismos exacerbados. Já faltou mais e a História tende a repetir-se, as memórias é que são curtas.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

É preciso que haja consciência!

O país endivida-se a um ritmo galopante. Explicar ao portugueses que se tem que equilibrar a balança comercial, através da redução das importações e aumento das exportações é puro mandarim, até porque o povo adora entrar por uma loja do chinês adentro e arrematar os vastos lotes a 1 €, de qualidade duvidosa, mas de preço incomparável. Tornar o discurso claro é explicar que temos todos que assumir esse esforço de comprar o que é nacional, por mais caro que isso se torne, mas que trará frutos rapidamente, aligeirando as filas dos centros de emprego e todas as despesas do Estado que andamos a sustentar.

O país meteu-se onde se meteu com a colaboração de todos, não se culpem apenas governos ou bancos. A verdade é que os portugueses foram os primeiros a matar a competitividade nacional, colocando na mão de estrangeiros o dinheiro que antes circulava na nossa economia. Não é preciso ser-se muito inteligente para perceber isto, só é preciso ter-se muita lata para dizer que a culpa é do dos políticos, enquanto acorrem que nem formigas para mais uma loja “low price”.

E acho que ainda ninguém se apercebeu deste risco: de estarmos na mão de economias emergentes como a China ou a Índia, onde se trabalha sem condições humanas decentes, matando pelo caminho a indústria nacional e europeia, até chegarmos ao dia em que estas economias se irão equilibrar e possuir uma classe média estável, pronta para absorver quase 100% da sua produção nacional, deixando penduradas as outras economias, já completamente dependentes desta “terciarização” de serviços. E não faltará muito, arriscaria o prazo de uma década.

Os chineses, que até há 3 anos só vendiam aos contentores, hoje adquiriram uma competitividade que lhes permite agrupar mercadorias diversificadas num único contentor, fazendo com que uma mera caixa chegue à mão de um cliente, em Portugal, por exemplo, com custos de transportes baixíssimos. Já para não falar das cotações dos produtos, que são apresentados a preços inverosímeis e que é impossível de ser combatido, em parte porque a competitividade de uma empresa passa em larga escala pela produtividade de cada um dos seus empregados e pela flexibilidade laboral que, neste país, é inexistente.

Se é para caminharmos para uma recessão grave que o façamos, mas com a certeza de que se vão fazer todos os possíveis por reerguer a nossa economia, não para continuarmos a arrastar os problemas indefinidamente.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Europeísmo de 3º Mundo

Certamente pertenço ao grupo de pessoas que acham que, mediante PEC's, Rating's, aumento de impostos e afins, já era tempo de alguém se chegar à frente e falar ao país sobre a realidade do que se passa: do que é que é necessário corrigir, implementar ou cancelar; de um discurso que esclareça concretamente o que é que se está a passar e que explique que o que se está a fazer e, acima de tudo, que diga quais serão os objectivos estratégicos para Portugal.

Mas não... o Presidente da República limita-se a dizer que não interefere em matérias governamentais (deve ter trauma com o Mário Soares) e, quando decide falar ao país, apresenta-se condescendente a falar sore um diploma aprovado por esmagadora maioria na Assembleia e que teve a concordância do Tribunal Constitucional, dizendo que não concorda do ponto de vista pessoal, mas que iria promulgar para não desviar atenções de outras questões essenciais.

Sr. Presidente: e falar dessas coisas essenciais, como a crise e o clivar das diferenças sociais?! Não?! Ah... ok, essas não se impõem na agenda de pré-campanha de captar o eleitorado conservador, onde até o Papa desempenhou um papel interessante, cuja vinda custou dinheiro ao erário público!

Mais provas de que estamos a descambar para um país de 3º Mundo já não são necessárias, quando ninguém vem falar ao país sobre os problemas estruturais e o que se pede é para que se pague e que se tenha paciência, preferencialmente sem grande agitação!

O Sr. Presidente não fala, pois sabe que é um dos primeiros culpados desta crise, o que teve 2 maiorias absolutas seguidas e que não teve coragem de refundar o Estado, de aligeirar o peso das despesas, fazendo exactamente o contrário, permitindo durante 10 anos que entrassem milhares de milhões de euros no nosso país sem qualquer tipo de controle e fiscalização, contribuindo largamente para a fuga ao fisco, compadrios e corrupção. Nele começou a hipoteca de Portugal, basta que se olhe a História dos últimos 30 anos para se perceber quando começou o esbanjamento.

Esta é a altura exacta para se refundar o Estado, para se mudar o sistema todo: regionalizar, descentralizar, criar os círculos uninominais, reduzir drasticamente o número de funcionários públicos, repensarmos a segurança social, termos um sistema fiscal coerente, mexer nas contas das autarquias locais e tornarmos Portugal um país competitivo, com rumo, que se imponha como um Silicon Valley europeu e um destino turístico de excelência, por exemplo.

Mas para isto não vamos lá com políticos, mas sim com técnicos, com pessoas que olhem os dados e apontem soluções concretas, sem pensar que têm de governar para ganhar as próximas eleições, que se traduz em medidas de curto prazo, cujos problemas são escondidos ou atirados para a frente.