quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Estória real

Numa rua comum, à beira de um caixote de lixo básico, num domingo qualquer. O homem, com as marcas bem vincadas pelo escorrer do tempo – uns 80 anos, talvez – dobra-se para apanhar um saco de plástico que deixara cair. O corpo demora-se a dobrar e a boca solta-se na liberdade de falar com os comparsas botões: “Ai a minha vida! Agora isto tinha tudo que cair!”. Apresso-me e apanho-lhe o saco e geringonça onde ele prende o saco, uma espécie de troley caseiramente improvisado. “Obrigado minha senhora, isto a idade já não perdoa! Veja lá onde uma pessoa chega! A ter que, com a minha idade, andar a apanhar os restos dos outros para depois vender para o ferro-velho!”. “A vida não é fácil, amigo”, retribuo-lhe sem saber que mais frases feitas desembolsar. “Pois não é não senhora! Imagine que tive que me reformar no início dos anos 80, por incapacidade, e hoje, hoje! Tanto tempo depois, fartinho de trabalhar a minha vida toda, a minha reforma não chega ao 75 contos! Até lhe digo: são 74 contos e qualquer coisa! Por isso tenho que andar atrás do lixo dos outros para ver se consigo mais uns trocos porque esse dinheiro não me chega para as minhas despesas!”.

Foi na minha rua, no caixote do lixo à frente da minha casa, no domingo que passou. Uma prova de que a pobreza existe onde menos se espera, um testemunho que me envergonhou enquanto ser humano, pois ninguém deveria ver-se na necessidade aflitiva de andar atrás dos desperdícios alheios.

Triste, infinitamente desolador e tragicamente um retrato cruel da realidade em que vivemos.