segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Muro da Vergonha

Há 20 anos ainda não tinha o discernimento da importância da queda do Muro de Berlim. Lembro-me de ver as imagens na televisão e do meu pai dizer: “É um 25 de Abril na Alemanha”, enquanto esfregava as mãos de contentamento. E eu, que nunca vivenciara o 25 de Abril, mas que tanto ouvira falar da sua importância, que imensas vezes me fora explicado que viver antes dessa data era difícil, cheio de suspeitas, imerso em podridão, recebi a queda do muro de Berlim como o 25 de Abril da minha infância. Era um momento verdadeiramente solene e tão histórico que a minha irmã só me dizia: “Precisas de ver isto: é História”. Hoje agradeço profundamente a forma como me “raptavam” da meninice para ver o mundo real.



Caíra o muro da vergonha, a fronteira entre dois mundos que, para além de ser extremamente importante para uma Alemanha subjugada e dividida, era de uma importância extrema para o mundo. O fim da Guerra Fria era previsível e muito, mesmo muito, tem o mundo a agradecer a Gorbachev, muito mais do que aos líderes dos países aliados.

Para a minha geração, a daqueles que nasceram depois de 1974, que automaticamente tinham direitos, liberdades e garantias, que tínhamos a bandeira da livre expressão, uma geração que é a mesma que teve a sorte de crescer com um mundo globalizado, com internet à la carte, com a Europa a uma só voz, tivemos a sorte de ter a nossa espécie de Maio de 68, nesse mês de Novembro de 1989. Um marco mais político do que cultural, é certo, mas que marcou de forma irremediável, a forma como víamos os globo terrestre, como o mundo se conjugou de forma a ser mais comunicativo e cooperante. Para mim foi um acontecimento quase meu, nesta minha Europa unificada, numa altura em que a cidadania tem contornos cada vez mais livres, felizmente.

Anexo este sentimento ao facto de conhecer a Alemanha, as suas gentes, e de lhes encontrar uma lucidez, uma perseverança absolutamente incrível! Pessoas da minha idade que carregam uma história extremamente pesada, mas com uma vontade de mostrar todos os lados bons que a Alemanha tem. E se tem! Grande país! Com uma capacidade de regeneração absolutamente sem igual e que me fascina por completo.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A viagem de Saramago

Já passaram uns dias desde que encerrei as folhas de Caim, a última obra de José Saramago. Polémica q.b. o que, na minha opinião, foi uma magistral manobra de marketing por parte do Nobel que, ao seu dispor tem todos os canais de divulgação possíveis, e que, do alto do seu curriculum, se pode dar ao luxo de dizer aquilo que bem lhe apetece. Liberdade de expressão de um cidadão que critica a Igreja Católica, é assim que eu vejo. Toda a gente pode chafurdar a seu bel-prazer os políticos, mas a Igreja é intocável porquê, quando é a maior instituição política do mundo? Bom, mas polémicas à parte vamos à questão literária.




Sou fã de Saramago e já li e reli a sua obra várias vezes, deliciando-me sempre com as brincadeiras de sintaxe e com o fio condutor do narrador, sempre omnipresente. As suas obras primam pela densidade, pelos pormenores que nos transportam para realidades muito para além da história central. É um estilo que se estranha, mas que depois se entranha!

O Ensaio sobre a Lucidez foi o encerrar de um ciclo de Saramago. As Intermitências da Morte já se jogou num outro campeonato, mais abrangente, num tom mais legível. Não desgostei, mas soube-me a pouco. A Viagem do Elefante, aclamado por muitos como a mais magistral obra de Saramago, soube-me a nada. Não é, de todo, o melhor do autor, é uma viagem, uma crónica, um compasso suspenso de um génio. Aceito que digam que é muito bom porque, realmente, é dos livros de Saramago mais legível, feito num registo muito simplificado e que facilmente é acessível ao público em geral.

Agora veio Caim… Depois de tanta polémica pensei “O Evangelho Segundo Jesus Cristo versão 2.0!”. Não o é, de todo. N’O Evangelho tínhamos um Saramago bem mais acutilante, mais atento aos pormenores, mais mordaz, mais racional. Mas, como acontece com as sequelas, a desilusão instalou-se. É uma leitura válida da Bíblia, uma leitura muito pessoal, mas que não está tão bem montada quanto aquilo a que Saramago no habitou, não é de todo arrebatador e nem tão bem elaborado quanto o desejaríamos.

Manterei a minha paixão pelos livros de Saramago, mas principalmente pelos da fase pré-Nobel, ainda sem as pressões dos editores em prol do grande público e das tiragens esgotadas. Tenho pena que o génio ceda à massificação, que é a única justificação que consigo encontrar…