sábado, 2 de outubro de 2010

Estória real II

Ontem, numa repartição de Finanças em Cascais, entro na sala e só vejo homens engravatados, banhados em água-de-colónia e pastinha na mão. Ambiente sinistro. O avolumar de carros de alta cilindrada no estacionamento está explicado. Uma funcionária lê em voz alta páginas e páginas, com nomes de contribuintes e valores em dívida. Há de tudo: dos mil aos 60 mil. Continuo sem entender muito bem, até que alguém me explica: “É uma venda de imóveis penhorados”. Choco-me! São pessoas comuns as que naquele exacto momento estão a perder casas, arrematadas quase que em lotes pelos engravatados que ali se apresentam, sorridentes, que compram apartamentos T2, em Cascais, a menos de 30 mil euros. Uma espécie de abutres que se deleitam com a crise alheia!

De estômago revolvido vou para os correios e, naquele momento de espera, apercebo-me que dois senhores, já seguramente reformados, estão a resgatar os certificados de aforro. Um deles uma miséria: 400 €, mas que, segundo ele desabafa à funcionária “lá me vão ajudar a pagar as contas até ao fim do ano!”. O outro, já com 700 €, respira fundo e diz com o ar mais desolador: “Pronto, já se acabaram as poupanças”…

A realidade torna-se avassaladora quando assistimos à crise no dia-a-dia, quando nos entra consciência adentro as dificuldades económicas das pessoas comuns. A crise existe, mas é apenas para alguns, para os que descem rapidamente do patamar da classe média, dos que sobrevivem com dificuldades, dos que pagam os impostos sem deterem off-shores e cuja taxa de IRS é escandalosamente superior à da aplicada à banca. Uma vergonha, uma tristeza!

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