quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Mecanismo

Paira uma suposta normalidade no correr dos dias, mas sem aviso o coração dispara até se sentir uma dor que entra de fininho por entre o tórax e se instala algures entre a pele e a máquina bombeadora e sente-se um vazio, uma espécie de vertigem mesmo. Sente-se cada gotícula de sangue a percorrer as auto-estradas das veias e o mecanismo a auto-lubrificar-se, a auto-estabilizar-se. Acalma-se e fica um aperto no lado esquerdo e uma espécie de zumbido silencioso a ecoar nas paredes do cérebro, como se este boiasse tranquilamente num lago de sangue. É uma sensação estranha esta de nos sentirmos mal, de tomarmos consciência de que se sente o coração a pulsar numa valsa arrítmica e absurdamente descompassada.



A vida, esta, que consideramos de filme, como se encostássemos a vivência real para vestirmos uma personagem, ganha um contorno de absoluta necessidade. Tanto por fazer versus outras tantas coisas feitas, limbo de glórias e de ressentimentos que se vão acumulando nas vielas escuras do dia-a-dia, aqui dentro escondidas, aqui dentro aplacadas na fortaleza da racionalidade. Somos seres obscuros num carnaval veneziano, figuras emprestadas a um quotidiano transcendente e fútil. Há ainda muito para fazer e os grãos de areia teimam em escorregar rapidamente naquela ampulheta que nos fita, esmagadora.

Tic-tac, tic-tac… life goes on

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Madeira: a (im)previsibilidade

Neste momento não acredito que exista viv'alma que não esteja solidária com o povo da Madeira, com a tragédia que se abateu sobre uma ilha onde a pobreza ainda impera a olhos vistos, fora dos locais turísticos. Mas por mais que se fale da dor que este evento provocou, é tempo de apurar responsabilidades e elas existem, flagrantes, com um ordenamento territorial selvagem e o estrangulamento cada vez mais refinado da natureza.

Luvas de pelica quando se fala do Alberto João, no seu reinado ad aeternum, mas que deveria ser o primeiro a assumir responsabilidades, como Jorge Coelho o fez aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios, há uns anos atrás. O silêncio do PSD é imenso, sufocado que está na sua guerrilha interna e, o PS, na sua postura de partido de Governo, a ser politicamente correcto quando não o deveria ser, quando estas mortes poderiam ter sido evitadas...

Onde é que pára a liberdade de imprensa neste momento em que se deveria colocar o dedo na ferida e chamar o Rei da Madeira à responsabilidade e questioná-lo sobre o PDM, os Planos de Pormenor e os estudos de impacto ambiental? A ousadia jornalística fica-se pelo Continente, pelos vistos...

Triste país o nosso, em que a incúria dos políticos continua a ser sufragada e apoiada pelo povo, em que se atira poeira para os olhos das pessoas e elas continuam a julgar-se felizes... O que Alberto João já fez pela Madeira - e claro que vez obra positiva - qualquer pessoa faria, pois são tantos os milhões que não há como não se fazer!

Tristes os madeirenses que perderam vidas, casas, bens e qualidade de vida...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A sério que não consigo entender…

Fui educada na certeza de que, como cidadã, é meu dever ser participativa, interventiva e assertiva, bem como ter sempre em mente as pessoas (enquanto indivíduos, muito mais do que meros grupos sociais) e o seu bem-estar; tive uma educação socialista mas com o espaço intelectual para poder analisar todas as referências e tomar opções conscientes; foi uma educação democrática e carregada de respeito por todos os quadrantes políticos, sem maus-da-fita, aprendendo que existem pontos de vista diferentes, a maior parte derivados do ponto exacto onde estamos. Não me alongo porque acabaria por ter que citar Hobbes, Locke, Rosseau e até Platão, entre tantos outros. Temos direito à propriedade privada e que esse seja o ponto de partida!

Aprendi a celebrar Abril, mas aprendi a respeitar certos pormenores que o Estado Novo também trouxe e que a década de 80 deveria ter limado e continuado mas não: à boa maneira portuguesa demolimos tudo e começamos de novo – a alma lusa é muito edificante! Mas não é disto que quero falar, esse é outro tópico tão vasto quanto o problema do deficit!

Cresci a acreditar no sistema democrático, na pluralidade e nas opiniões. Concordo com diversas premissas comunistas e outras tantas neoliberais, mas isso não faz de mim uma pessoa sem referências, apenas dialogante e ingénua q.b. para acreditar que o entendimento entre todas as partes é possível. Infelizmente em Portugal isso não é possível. Somos um país sem viabilidade económica e política, infelizmente incapaz para resolver os problemas em tempo real! Há que olhar para a galinha do vizinho, sempre com olhar guloso, e fazer de tudo para termos uma galinha como aquela, insistindo em engordar o frango tísico que nos calhou, a gastar tempo, dinheiro e energias em soluções impossíveis de obter frutos. Somos um país mesquinho e o problema não é dos políticos: é geral! Surpreende-me surpreender-me (é mesmo para ser redundante!) que as pessoas se indignem tanto com a classe política: se os mudássemos a todos nada iria mudar: os ministros continuariam a ter carros topo de gama, um staff incalculáveis, dariam milhões aos amigos mais próximos e fariam a vida negra aos inimigos do lado. Quem nunca se roeu de inveja com certos pormenores que, vendo bem, até são alheios à nossa existência, que atire a primeira pedra!

Querem vida fácil? Querem que os ricos paguem aos pobres? Querem justiça na divisão da riqueza? Querem saúde gratuita, subsídios de férias, Natal e quem sabe até de Carnaval bem gordos? Paz, pão, saúde, educação? Claro, quem não quer? Mas continuamos a fugir aos impostos, a declarar o mínimo indispensável, a fazer uns biscates sem recibos, a viver de rendimentos mínimos garantidos, a contestar os políticos nas esquinas do costume. Não nos olhamos ao espelho porque até poderíamos dar de caras com o Sócrates, com o Louçã, o Portas ou até (imagine-se!) MFL! Que susto! Por isso vamos em debanda a Fátima e apelamos aos santinhos que nos protejam, voltamos para casa e toca de enfardar o frango tísico com mais uns grãos de milho sempre, na vã esperança, de que recaia um manto de nevoeiro e o D. Sebastião se digne a aparecer e a resolver isto de uma vez por todas!

Hoje estou injuriada por sermos um país à beira da falência, mas não me preocupa a economia, preocupa-me a falência moral e ética do povo português. A este ritmo espero que não nos surpreenda que a União Europeia assuma os controlos da situação de uma vez por todas e, que sabe, esse seja o derradeiro acto sebástico!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Olissipo

“Vou a Lisboa e já venho!”

Digo sempre esta frase, invariavelmente, e sempre com um travo agridoce na boca porque ir a Lisboa é uma delícia para todos os meus sentidos e porque em cada regresso trago cada vez mais saudades. Insisto na entrada do Campo Grande e vou por ali abaixo a deslumbrar-me com as avenidas novas, o Saldanha, o Marquês, a imponente Avenida da Liberdade e aquele cais imenso que de repente é o Rossio, polvilhado de cheiro a castanhas assadas e de gentes de todos os cantos do mundo. Arrisco o Chiado e, como sempre, deslumbro-me com os pormenores tantas vezes vistos, mas que ganham prismas sempre novos. Lisboa inspira e começa a respirar livre do metal frio dos carros que nos roubavam a visão das fachadas dos prédios seculares.

E lá ao fundo, sempre pelas nesgas dos edifícios mira-se o azul do Tejo… como é linda Lisboa, como é fantástica esta cidade carregada de estórias em cada uma das esquinas. Sinto-me turista na minha cidade, na cidade que eu mais adoro neste mundo e da qual me aproprio egoisticamente, gravando-a nos instantâneos da minha memória e devorando cada pedaço que espreita.

Sair de Lisboa? Difícil, mas sempre pela Marginal, com o rio a fluir ao mesmo ritmo que eu, ambos com a mesma respiração, com a mesma cumplicidade dos murmúrios dos amantes nunca saciados… Por aí afora, em ritmo cadenciado, Santos, Belém, Algés e lá ao fundo o Bugio, cristalino. É um consolo para a alma desfrutar de Lisboa, de percorrer as ruas e de conhecer os segredos das ruas mais sinuosas e secretas… Saudade é o segundo nome de Lisboa, é só o que me ocorre.