sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Eça de Queiróz

Uma lição mordaz sobre Democracia (na sequência de um pensamento sobre a Revolta da Maria da Fonte - 1846):

Tomemos um exemplo: o eleitor que não quer votar com o Governo. Ei-lo, aí, junto da urna da oposição, com o seu voto hostil na mão, inchado do seu direito. Se, para o obrigar a votar com o Governo o empurrassem às coronhadas e às cacetadas, o homem volta-se, puxa de uma pistola – e aí temos a guerra civil. Para quê esta brutalidade obsoleta? Não o espanquem, mas, pelo contrário, conforme estejamos no campo ou na cidade, paguem-lhe bebidas generosamente, perguntem-lhe pelos pequerruchos, metam-lhe uma placa de cinco tostões na mão e levem-no pelo braço, de cigarro na boca trauteando o Hino, até junto da urna do Governo, vaso do Poder, taça da Felicidade! Tal é a tradição humana, doce, civilizada, hábil, que faz com que se possa tiranizar um País, com o aplauso do cidadão e em nome da Liberdade.

Quantas vezes me disse o Conde ser este o segredo das Democracias Constitucionais: “eu que sou governo, fraco mas hábil, dou aparentemente a Soberania ao povo, que é forte e simples. Mas, como a falta de educação o mantém na imbecilidade, e o adormecimento da consciência o amolece na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito… E quanto ao seu proveito, adeus, ó compadre!

Ponho-lhe na mão uma espada; e ele, baboso, diz: eu sou a Força! Coloco-lhe no regaço uma bolsa, e ele, inchado, afirma: eu sou a Fazenda! Ponho-lhe diante do nariz um livro, e ele exclama, de papo: eu sou a Lei! Idiota! Não vê que por detrás dele, sou eu, astuto manejador de títeres, quem move os cordéis que prendem a Espada, a Bolsa e o Livro!”


In O Conde d’Abranhos, Eça de Queiróz, 1925 (edição póstuma)

Sou da opinião de que se deveria debater, muito seriamente, a introdução de um novo sistema político. Apesar desta ser uma visão de final de séc. XIX, com todas as suas agitações sociais e políticas, o facto é que permanece alguma contemporaneidade, principalmente ao nível do poder local, muito menos sujeito ao escrutínio jornalístico. Teimo em afirmar que tudo passa por uma verdadeira Educação, por uma sociedade pensante e não apenas executante.

Sem comentários:

Enviar um comentário